O livro se
inicia com um diálogo entre Freire e Antônio, onde cada um deles expõem o que
gostariam de fazer neste livro. Então Freire diz que inicialmente é necessário
introduzir o leitor ao tipo de livro que estão propondo. Diferentemente de um
livro comum escrito por dois autores, onde em geral cada um tem seus capítulos,
este se propõe a ser um livro dialogado, como uma conversa entre os autores.
Dessa forma os autores entendem este tipo de trabalho como uma ruptura da
acomodação intelectual, na tentativa de fazer com que o trabalho intelectual
seja um trabalho coletivo.
Freire então
propõe que eles iniciem contando as experiências como exilados, segundo Freire
não é só negatividade, ele relata que pode crescer com a dramaticidade da
experiência. Antônio então reafirma a fala de Freire dizendo que é um desafio
que os intelectuais, enfrentam: superar o negativo para chegar a um nível no
qual o exílio se torne efetivamente algo positivo, tanto para o trabalho como
para o que pode ajudar a transformar a realidade. Antônio também conta um pouco
sobre sua experiência enquanto professor em uma universidade no Chile onde diz
que se propunha a pensar como as ideias se concretizam nas ações e na mente dos
indivíduos ou dos grupos, para interpretar a realidade e transformá-la, ou não a
transformar. Assim, já havia nessa experiência uma busca em direção à
realidade, em direção ao concreto. Tudo isso os levava a reuniões de
aprendizagem e de ensino coletivo. Os diálogos coletivos com os estudantes que
era impressionante. Creio que ali, na realidade concreta, estudantes e
professores aprendiam como fazer Filosofia, aprendiam História, Literatura e
Sociologia. E cada uma dessas ciências diretamente vinculada à realidade que se
vivia no país e não presa a realidades transcendentes, estrangeiras. Interessante
nesse trecho que fica claro a importância que ambos os autores em seu diálogo
dão a contextualização dos problemas, no caso vividos pelos chilenos. Também
destacam a luta ideológica deles e o quanto é importante conhece-la. Alvaro
Vieira Pinto: “O exilado vive uma realidade emprestada”.
Freire então
comenta que optou por trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas, pois lá,
diferente das Universidades que lhe ofereciam salas de aulas e alunos
regulares, o conselho lhe oferecia o mundo e a oportunidade de conhecer
diversos contextos diferentes. E nessa oportunidade pode conhecer a si mesmo.
Assim ele diz que pode superar, o que os exilados algumas vezes podem correr o
risco, de se distanciar demais da realidade e ficar perdido na verbosidade, no
que ele chama de ‘balé dos conceitos’. Os autores a partir daí discorrem sobre
cotidianeidade do exílio. Paulo diz que é muito importante a questão cultural.
Aprendera analisar criticamente o diferente, para não cair no erro de fazer
maus juízos sobre o que nos é estranho. Assim é possível superar a
negatividade. E construir algo muito importante, a tolerância. A tolerância não
significa de maneira nenhuma a abdicação do que te parece justo, do que te
parece bom e do que te parece certo. Não, não, o tolerante não abdica do seu
sonho pelo qual luta intransigentemente, mas respeita o que tem sonho diferente
do dele.
Os autores
começam a discutir sobre a ideologia. Antônio diz que qualquer luta política,
ideológica, deve partir justamente da compreensão dessas resistências. Ou seja,
não se deve combater a ideologia somente através das ideias, mas sim a partir
dos elementos concretos de resistência popular. Portanto, toda luta contra a
ideologia ou as ideologias dominantes deve basear-se na resistência levantada
pelas classes populares e, a partir daí, elaborar ideologias que se oponham à
ideologia ou às ideologias dominantes. E Paulo diz que se nos recusamos a
conhecer essas formas de resistência porque, antidialeticamente, aceitamos que
tudo entre elas vem sendo reprodução da ideologia dominante, terminamos caindo
nas posições voluntaristas, intelectualistas, nos discursos autoritários cujas
propostas de ação não coincidem com o viável dos grupos populares, A questão é
como nos acercar das massas populares, para compreender os seus de níveis de
resistência, onde se encontram entre elas, como se expressam e trabalhar então
sobre isto. Freire diz que a afirmação de que a educação é neutra, em muitos
momentos, é mais do que pura oralidade. Da mesma forma, quando um cientista diz
ao aluno: agora deixaste de ser cientista porque julgaste a realidade e a
realidade está aí para que falemos dela, a realidade está aí simplesmente para
que dela façamos uma descrição. E é interessante observar como a ideologia
dominante, cristalizando-se em frases assim, procura assumir ou expressar o
peso de uma verdade insofismável, irretrucável. Tu tens razão; ao ser tão
enfatizada a apoliticidade da ciência e da educação, a sua politicidade termina
por ser sublinhada. A negação da politicidade é finalmente percebida como um
ato político.
Antônio então
conta sua experiência em Genebra: Quando se propõe que o verdadeiro é uma busca
e não um resultado, que o verdadeiro é um processo, que o conhecimento é um
processo e, enquanto tal, temos de fazê-la e alcançá-la através do diálogo,
através de rupturas, isto não é aceito pela grande maioria dos estudantes que
se acham acostumados com que o professor, hierarquicamente, tenha a verdade,
ele o sábio, e portanto não aceitam o diálogo. Para eles o diálogo é sinal da
fraqueza do professor, para eles a modéstia no saber é mostra de fraqueza e
ignorância. Quando é justamente o contrário. Acredito que a fraqueza está
naquele que julga deter a verdade e, por isso mesmo, é intolerante. Freire
então diz que viveu experiências assim também: Mas não há como esquecer que
também sempre nos defrontamos com essa certeza ideologizada segundo a qual o
estudante existe para aprender e o professor para ensinar. Essa “sombra” é tão
forte, tão pesada, que o professor dificilmente percebe que, ao ensinar, ele
aprende também, primeiro, porque ensina, quer dizer, é o próprio processo de
ensinar que o ensina a ensinar. Segundo, ele aprende com aquele a quem ensina,
não apenas porque se prepara para ensinar, mas também porque revê o seu saber
na busca do saber que o estudante faz. Tenho insistido em trabalhos antigos
como em recentes, em quanto a inquietação dos estudantes, a sua dúvida, a sua
curiosidade, a sua relativa ignorância devem ser tomadas pelo professor como
desafios a ele. No fundo, a reflexão sobre tudo isso é iluminadora e
enriquecedora do professor como dos alunos. A curiosidade do estudante às vezes
pode abalar a certeza do professor. Por isso é que, ao limitar a curiosidade do
aluno, a sua expressividade, o professor autoritário limita a sua também.
Muitas vezes, por outro lado, a pergunta que o aluno, livre para fazê-la, faz
sobre um tema, pode colocar ao professor um ângulo diferente, do qual lhe será
possível aprofundar mais tarde uma reflexão mais crítica.
Os autores
então refletem sobre o ensino atual dizendo que esqueceram-se das perguntas,
tanto o professor como o aluno as esqueceram e no entender dos autores todo
conhecimento começa pela pergunta. Começa pelo que você, pelo que chamam de
curiosidade. Mas a curiosidade é uma pergunta! Hoje o ensino, o saber, é
resposta e não pergunta. Freire então chama a isto de “castração da
curiosidade”. O que está acontecendo é um movimento unilinear, vai de cá para
lá e acabou, não há volta, e nem sequer há uma demanda; o educador, de modo
geral, já traz a resposta sem se lhe terem perguntado nada! Antônio então
completa dizendo que não concebe um professor possa ensinar sem que ele também
esteja aprendendo; para que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de
aprender. Freire então continua seu raciocínio dizendo que o autoritarismo que
corta as experiências educativas inibe, quando não reprime, a capacidade de
perguntar. A natureza desafiadora da pergunta tende a ser considerada, na
atmosfera autoritária, como provocação à autoridade. E, mesmo quando isto não
ocorra explicitamente, a experiência termina por sugerir que perguntar nem
sempre é cômodo. Para um educador nesta posição não há perguntas bobas nem
respostas definitivas. Um educador que não castra a curiosidade do educando,
que se insere no movimento interno do ato de conhecer, jamais desrespeita
pergunta alguma. Porque, mesmo quando a pergunta, para ele, possa parecer
ingênua, mal formulada, nem sempre o é para quem a fez. Em tal caso, o papel do
educador, longe de ser o de ironizar o educando, é ajudá-lo a refazer a
pergunta, com o que o educando aprende, fazendo, a melhor perguntar. Nesse
sentido, o educando inserido num permanente processo de educação, tem de ser um
grande perguntador de si mesmo. Antônio completa então insistindo que a
educação em geral é uma educação de respostas, em lugar de ser uma educação de
perguntas. Uma educação de perguntas é a única educação criativa e apta a
estimular a capacidade humana de assombrar-se, de responder ao seu assombro e
resolver seus verdadeiros problemas essenciais, existenciais. O que se reproduz
num processo educativo, tanto no trabalho como nas escolas, se reproduz também
em nível político, no processo político, que é também um grande processo
educativo, no qual a criatividade das massas é ignorada, é esmagada!
Partirão então para uma discussão
sobre ciência e sociedade envolvendo autoritarismo e poder, nesse ponto Antônio
diz que há uma tendência a se considerar a ciência como a-histórica. No
entanto, a ciência tem de estar em constante transformação: por ser ciência, é
preciso que esse saber se transforme. Como a realidade se transforma de maneira
permanente e objetiva e independentemente da vontade dos homens, deve então
estar sempre presente em nós o fato de que essa ciência seja incapaz de
transformar sozinha a realidade. Freire dialoga dizendo que em certo momento do
processo em que o conceito deve mediar a compreensão da realidade, nos
distanciamos de tal maneira do concreto que o conceito se esvazia. E como se,
em certo instante, favela fosse apenas o conceito, já não a dramática situação
concreta que não consigo alcançar. Vivo, então, a ruptura entre a realidade e o
conceito que devia mediar a sua compreensão. Assim, em lugar de entender a
mediação do conceito na compreensão do concreto, ficamos no conceito, perdidos
na sua pura descrição. Pior ainda, terminamos por imobilizar o conceito,
fazendo-o estático. Antônio então continua dizendo que sem dúvida, os
intelectuais se equivocam ao sustentar que o poder encontra-se apenas no Estado
e que, assim, tomar o poder equivaleria a tomar o poder do Estado. Por isso
professores, pedagogos e políticos detêm parte do poder, porque o recebem do
Estado. O poder se dilui a partir do Estado, e a cada um esse Estado entrega
uma parcela de poder, mantendo-se as classes na cúspide do Estado como as
detentoras do maior poder; o poder de dar poder. Portanto, identificar poder
com Estado e, então, estabelecer que a transformação de uma sociedade tem
início com a tomada do poder, nessa identificação Estado-poder, é um erro de
natureza epistemológica, política e até emocional. O poder começará nas lutas
cotidianas, nas ações cotidianas do homem, da mulher, da criança, do professor;
em cada uma das profissões ou diferentes ocupações, mudarão as relações
humanas, que serão democráticas, contando com a participação de todos. O poder
pertencerá a todos, cada qual se apropriará de sua parcela de poder enquanto
ser humano, e esse apropriar-se do poder permitirá a construção de uma
sociedade em que o poder será de todos e não de alguns poucos.
Falam então
sobre transição, no que se refere a educação dizem que na etapa da transição
revolucionária, não é só a de apresentar aos educandos os conteúdos
programáticos de uma forma competente, mas, competentemente também, refazer
esses conteúdos com a participação das classes populares, superando-se
igualmente o autoritarismo no ato de “entregar” os conteúdos ao educando. A permanência de procedimentos autoritários
na transição recebe, quase sempre, apelos da própria problematicidade desta
fase. A revolução recém-chegada ao poder necessita, para sua própria caminhada,
acelerar a formação rigorosa e requer, tão rapidamente quanto possível, quadros
técnicos indispensáveis ao processo de transformação da velha sociedade e da
criação da nova. Evidentemente, a nova educação, que no fundo deve ser
entendida como uma educação em processo de permanente renovação, não se cria em
sua totalidade depois da chegada da revolução ao poder. Ela começa, em algumas
de suas dimensões, muito antes: na mobilização e na organização populares para
a luta. Há em todo esse processo
político um trabalho pedagógico quase sempre invisível, altamente importante.
Trabalho a ser aproveitado na transição em que se começa um esforço de
sistematização da nova educação.
Então começam
a debater sobre a necessidade permanente que têm o educador enquanto político e
o político enquanto educador, a de perguntar-se. A necessidade que o educador,
que o político, sem pretender separá-los, têm de, em certo sentido, deixar-se
molhar completamente pelas “águas culturais” das massas populares, para poder
senti-las e compreendê-las. Fora disto, o que podem obter, quase sempre, é uma
compreensão defeituosa do real, do concreto, à qual falta, por isso mesmo, uma
dimensão fundamental, que é a maneira como as massas populares reagem e se veem
em sua relação com o contexto. A importância da necessidade de partir do
conhecimento, tanto positivo como negativo, das camadas populares, para então
propor, com elas, a resposta a essas necessidades. Porque esse descobrimento
deve ser feito junto a elas, e não no exterior; elas próprias devem tomar
consciência de que seu conhecimento possui, a um tempo, aspectos positivos e
negativos. A libertação da mente.